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Bancas provocam confusões em provas de concurso

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Home Artigos jurídicos Bancas provocam confusões em provas de concurso Bancas provocam confusões em provas de concurso Home Artigos jurídicos Bancas provocam confusões em provas de concurso Bancas provocam confusões em provas de concurso Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 16:45 Certa vez, Abraham Lincoln disse: “Se eu tivesse oito horas pra derrubar uma árvore, passaria seis afiando meu machado.”No mundo dos concursos públicos, não seria exagero afirmar que a frase do ex-presidente norte-americano pode ser tomada como a fórmula do sucesso do concurseiro. Analogicamente, pode-se afirmar que as seis horas a que Lincoln se referiu para “afiar o machado” correspondem às árduas horas de estudos para que o candidato adquira os conhecimentos necessários a vencer as difíceis provas, treine exercícios, se concentre, enfim, se esmere ao máximo para atingir o objetivo traçado, sendo que as duas horas restantes referem-se aos exames efetivamente prestados, isto é, à “derrubada da árvore”.Em que pese o brilhantismo secular de Abraham Lincoln, é possível perceber que algumas organizadoras de concursos têm conseguido desenvolver um método de torná-lo opaco, uma vez que, recentemente, a mídia especializada tem ventilado uma série de falhas perpetradas pelas organizadoras de certames, que vão desde denúncias de fraudes em concursos até a aplicação de provas invencíveis.Afinal de contas, o que está acontecendo? Será verdadeiramente despreparo dos candidatos ou reais falhas e empáfia das bancas examinadoras?É fato que muitos candidatos a cargos e empregos públicos participam de concursos sem que tenham efetivamente se preparado para tanto; são os popularmente conhecidos como “paraquedistas”. Por outro lado, não se pode perder de vista que candidatos extremamente dedicados, inteligentes e preparados vêm sendo estranhamente tolhidos de concursos promovidos nos diversos níveis do funcionalismo público brasileiro.Creio que ambos os fatos se somam. Porém, há que se ponderar no sentido de que as bancas examinadoras vêm contribuindo muito mais para o agravamento desse quadro, segundo se depreende dos fatos recentemente ocorridos, e que passamos a elencar.A título de exemplo, no último concurso para o ingresso nos quadros do Ministério Público do Estado da Paraíba, os candidatos sequer conseguiram aprovação na primeira etapa, as provas objetivas. A esse respeito confira-se a notícia veiculada no site Consultor Jurídico.Recentemente, a OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com o CESPE/UNB para a realização do Exame de Ordem unificado, ante o elevado número de reclamações dos examinandos. Confira-se a notícia:“As seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não terão mais seus Exames de Ordem executados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Fundação Universidade de Brasília – CESPE – UNB. A OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com a CESPE, motivada, principalmente, por várias reclamações dos examinandos com relação aos certames executados pela instituição.(…)O alvo das maiores reclamações por parte dos bacharéis e/ou estagiários que se submetiam aos testes aplicados pela CESPE era com relação à correção da prova, cujos critérios deixavam margem para muita discussão e recursos”. (notícia disponível na íntegra.O último concurso promovido para o ingresso nos quadros de técnico e analista do MPU, nos dias 11 e 12 de setembro de 2010, também chamou a atenção pela revolta generalizada de candidatos às diversas vagas oferecidas, pois o CespeUnB divulgou gabaritos conflitantes e irreais, o que levou o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e também professor de Direito Processual Civil, Mozart Borba, a classificar como “maluquices” algumas das respostas preliminares oferecidas pela banca, consignando que “se não houver alterações, o concurso terá exigido que o candidato desaprenda a matéria para ser aprovado”.Outro fato, noticiado no dia 19 de setembro, diz respeito à presença da Fundação Cesgranrio na “lista de propina” do “Caso Correios”, o que levou a Justiça Federal a proferir decisão concessiva de liminar para que o contrato entre os Correios e aquela organizadora fosse suspenso. A notícia também foi veiculada pelo Consultor Jurídico.Para aclarar ainda mais a idéia do leitor, trago à baila duas questões estarrecedoras, cobradas na prova para advogado do BNDES, realizada no dia 19 de setembro[1]. O gabarito das referidas questões é gritante, contrários à literais disposições de lei e, em que pesem os inúmeros recursos interpostos pelos candidatos prejudicados, as questões em comento não foram anuladas ou tiveram o gabarito alterado. Eis as questões:Questão nº 68No dia 9 de fevereiro de 2005, foi editada a Lei no 11.101,que veio a regular a recuperação judicial, extrajudicial e afalência do empresário e da sociedade empresária.Dentre as inovações trazidas pela nova Lei, podemosafirmar queI – desaparecem as concordatas preventiva e suspensiva,e a continuidade dos negócios do falido.II – foi criada a recuperação extrajudicial.III – as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados durante a recuperação judicial, em conformidade com a legislação em vigor, terão prioridade de recebimento sobre os créditos tributários e trabalhistas quando é declarada a falência.IV – uma vez apresentado o pedido, o devedor tem até 60 dias para apresentar um plano detalhado de recuperação dizendo de que forma vai se recuperar e pagar seus credores.Está correto o que se afirma em(A) III, apenas. (B) I e III, apenas.(C) II e IV, apenas. (D) I, II e IV, apenas.(E) I, II, III e IV.A Cesgranrio considerou correta a letra “E”, ou seja, todas as assertivas estariam corretas. Todavia, em uma prova objetiva, o item IV jamais poderia ser considerado correto, na medida em que a Lei 11.101/05 diz, no artigo 53, que “O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter…”.Ora, a Lei 11.101/05 é cristalina ao dizer que o referido prazo de 60 dias é contado da publicação da decisão judicial que deferir o processamento da recuperação judicial, mas não da simples apresentação do pedido de recuperação, pois pode ocorrer de o devedor requerer sua recuperação judicial sem que preencha os requisitos legais, caso em que o pedido, s.m.j. será indeferido pelo juiz.Ante o exposto, a questão deveria ter sido anulada, pois, excluindo-se o item IV da relação de itens corretos, não há, dentre as alternativas oferecidas, qualquer combinação contendo a seqüência de itens corretos.Vejamos agora a questão 69:Questão 69A respeito do cheque, é INCORRETO afirmar que(A) os cheques devem ser emitidos contra bancos ou instituições financeiras equiparadas, caso contrário não terá validade de cheque.(B) o endosso num cheque passado ao portador torna o endossante responsável, nos termos das disposições que regulam o direito de ação, mas, nem por isso, converte o título num cheque “à ordem”.(C) uma vez emitido, o texto do cheque não pode ser alterado, sob pena de nulidade.(D) o cheque é pagável à vista, considerando-se não-estrita qualquer menção em contrário.(E) se uma pessoa teve um cheque roubado, o novo portador legitimado está desobrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé.Referida questão considerou a letra “C” como incorreta. De fato, a assertiva não está correta, pois o artigo 58 da Lei 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, prevê que, caso haja alteração no texto do cheque, “os signatários posteriores à alteração respondem nos termos do texto alterado e os signatários anteriores, nos do texto original”.Porém, a mesma legislação dispõe no seu artigo 32 que “o cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário”, sendo que a banca examinadora inseriu na letra “D” a expressão não-estrita, a qual, consoante a doutrina de Direito Empresarial (podemos citar Benedito Santana, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Wanderlei Batista da Silva), não possui o mesmo sentido da expressão corretamente utilizada pela lei em comento.Sendo assim, a questão deveria ter, no mínimo, seu gabarito alterado, para considerar correta – por ser incorreta – a letra “D”.As questões acima descritas, ao que parece, corroboram o vaticinado por Mozart Borba, anteriormente citado, pois, para responder “corretamente” a estes questionamentos, seria necessário desaprender a matéria estudada.Pra piorar, alguns elementos que compõem o funcionalismo público brasileiro chegam a qualificar a justa indignação de candidatos prejudicados como “choro de perdedor” como o fez, vergonhosamente, o Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro, José Raimundo Batista Moreira, em relação às denúncias feitas por candidatos ao cargo de técnico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro à Ouvidoria do MPRJ, apontando “negligência na aplicação dos testes e uso de questões com erros ou dupla resposta, entre outras irregularidades”[2].Infelizmente, caro leitor, nosso ordenamento jurídico derrama sobre os funcionários públicos, especialmente aqueles ocupantes de cargos de maior relevância, o manto plúmbeo das garantias funcionais, as quais, se por um lado visam garantir a independência funcional de determinados indivíduos, de forma que desempenhem suas funções com vistas à realização do bem comum, também garantem, em muitos casos, a vigência do pedantismo, da empáfia, da displicência, da indiferença, e de demais adjetivos desabonadores correlatos que destoam da nobreza de servir ao público.Sorte a nossa que o machado referido por Lincoln em sua célebre frase é somente uma metáfora, pois se fosse um machado real, pelo andar da carruagem correríamos o risco de afiá-lo inutilmente, ante as florestas petrificadas que tem se tornado as provas de concurso.FONTE: Vitor Guglinski – www.conjur.com.br/secoes/artigos Submitted by eopen on ter, 17/07/2018 – 16:45 Certa vez, Abraham Lincoln disse: “Se eu tivesse oito horas pra derrubar uma árvore, passaria seis afiando meu machado.”No mundo dos concursos públicos, não seria exagero afirmar que a frase do ex-presidente norte-americano pode ser tomada como a fórmula do sucesso do concurseiro. Analogicamente, pode-se afirmar que as seis horas a que Lincoln se referiu para “afiar o machado” correspondem às árduas horas de estudos para que o candidato adquira os conhecimentos necessários a vencer as difíceis provas, treine exercícios, se concentre, enfim, se esmere ao máximo para atingir o objetivo traçado, sendo que as duas horas restantes referem-se aos exames efetivamente prestados, isto é, à “derrubada da árvore”.Em que pese o brilhantismo secular de Abraham Lincoln, é possível perceber que algumas organizadoras de concursos têm conseguido desenvolver um método de torná-lo opaco, uma vez que, recentemente, a mídia especializada tem ventilado uma série de falhas perpetradas pelas organizadoras de certames, que vão desde denúncias de fraudes em concursos até a aplicação de provas invencíveis.Afinal de contas, o que está acontecendo? Será verdadeiramente despreparo dos candidatos ou reais falhas e empáfia das bancas examinadoras?É fato que muitos candidatos a cargos e empregos públicos participam de concursos sem que tenham efetivamente se preparado para tanto; são os popularmente conhecidos como “paraquedistas”. Por outro lado, não se pode perder de vista que candidatos extremamente dedicados, inteligentes e preparados vêm sendo estranhamente tolhidos de concursos promovidos nos diversos níveis do funcionalismo público brasileiro.Creio que ambos os fatos se somam. Porém, há que se ponderar no sentido de que as bancas examinadoras vêm contribuindo muito mais para o agravamento desse quadro, segundo se depreende dos fatos recentemente ocorridos, e que passamos a elencar.A título de exemplo, no último concurso para o ingresso nos quadros do Ministério Público do Estado da Paraíba, os candidatos sequer conseguiram aprovação na primeira etapa, as provas objetivas. A esse respeito confira-se a notícia veiculada no site Consultor Jurídico.Recentemente, a OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com o CESPE/UNB para a realização do Exame de Ordem unificado, ante o elevado número de reclamações dos examinandos. Confira-se a notícia:“As seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não terão mais seus Exames de Ordem executados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Fundação Universidade de Brasília – CESPE – UNB. A OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com a CESPE, motivada, principalmente, por várias reclamações dos examinandos com relação aos certames executados pela instituição.(…)O alvo das maiores reclamações por parte dos bacharéis e/ou estagiários que se submetiam aos testes aplicados pela CESPE era com relação à correção da prova, cujos critérios deixavam margem para muita discussão e recursos”. (notícia disponível na íntegra.O último concurso promovido para o ingresso nos quadros de técnico e analista do MPU, nos dias 11 e 12 de setembro de 2010, também chamou a atenção pela revolta generalizada de candidatos às diversas vagas oferecidas, pois o CespeUnB divulgou gabaritos conflitantes e irreais, o que levou o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e também professor de Direito Processual Civil, Mozart Borba, a classificar como “maluquices” algumas das respostas preliminares oferecidas pela banca, consignando que “se não houver alterações, o concurso terá exigido que o candidato desaprenda a matéria para ser aprovado”.Outro fato, noticiado no dia 19 de setembro, diz respeito à presença da Fundação Cesgranrio na “lista de propina” do “Caso Correios”, o que levou a Justiça Federal a proferir decisão concessiva de liminar para que o contrato entre os Correios e aquela organizadora fosse suspenso. A notícia também foi veiculada pelo Consultor Jurídico.Para aclarar ainda mais a idéia do leitor, trago à baila duas questões estarrecedoras, cobradas na prova para advogado do BNDES, realizada no dia 19 de setembro[1]. O gabarito das referidas questões é gritante, contrários à literais disposições de lei e, em que pesem os inúmeros recursos interpostos pelos candidatos prejudicados, as questões em comento não foram anuladas ou tiveram o gabarito alterado. Eis as questões:Questão nº 68No dia 9 de fevereiro de 2005, foi editada a Lei no 11.101,que veio a regular a recuperação judicial, extrajudicial e afalência do empresário e da sociedade empresária.Dentre as inovações trazidas pela nova Lei, podemosafirmar queI – desaparecem as concordatas preventiva e suspensiva,e a continuidade dos negócios do falido.II – foi criada a recuperação extrajudicial.III – as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados durante a recuperação judicial, em conformidade com a legislação em vigor, terão prioridade de recebimento sobre os créditos tributários e trabalhistas quando é declarada a falência.IV – uma vez apresentado o pedido, o devedor tem até 60 dias para apresentar um plano detalhado de recuperação dizendo de que forma vai se recuperar e pagar seus credores.Está correto o que se afirma em(A) III, apenas. (B) I e III, apenas.(C) II e IV, apenas. (D) I, II e IV, apenas.(E) I, II, III e IV.A Cesgranrio considerou correta a letra “E”, ou seja, todas as assertivas estariam corretas. Todavia, em uma prova objetiva, o item IV jamais poderia ser considerado correto, na medida em que a Lei 11.101/05 diz, no artigo 53, que “O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter…”.Ora, a Lei 11.101/05 é cristalina ao dizer que o referido prazo de 60 dias é contado da publicação da decisão judicial que deferir o processamento da recuperação judicial, mas não da simples apresentação do pedido de recuperação, pois pode ocorrer de o devedor requerer sua recuperação judicial sem que preencha os requisitos legais, caso em que o pedido, s.m.j. será indeferido pelo juiz.Ante o exposto, a questão deveria ter sido anulada, pois, excluindo-se o item IV da relação de itens corretos, não há, dentre as alternativas oferecidas, qualquer combinação contendo a seqüência de itens corretos.Vejamos agora a questão 69:Questão 69A respeito do cheque, é INCORRETO afirmar que(A) os cheques devem ser emitidos contra bancos ou instituições financeiras equiparadas, caso contrário não terá validade de cheque.(B) o endosso num cheque passado ao portador torna o endossante responsável, nos termos das disposições que regulam o direito de ação, mas, nem por isso, converte o título num cheque “à ordem”.(C) uma vez emitido, o texto do cheque não pode ser alterado, sob pena de nulidade.(D) o cheque é pagável à vista, considerando-se não-estrita qualquer menção em contrário.(E) se uma pessoa teve um cheque roubado, o novo portador legitimado está desobrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé.Referida questão considerou a letra “C” como incorreta. De fato, a assertiva não está correta, pois o artigo 58 da Lei 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, prevê que, caso haja alteração no texto do cheque, “os signatários posteriores à alteração respondem nos termos do texto alterado e os signatários anteriores, nos do texto original”.Porém, a mesma legislação dispõe no seu artigo 32 que “o cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário”, sendo que a banca examinadora inseriu na letra “D” a expressão não-estrita, a qual, consoante a doutrina de Direito Empresarial (podemos citar Benedito Santana, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Wanderlei Batista da Silva), não possui o mesmo sentido da expressão corretamente utilizada pela lei em comento.Sendo assim, a questão deveria ter, no mínimo, seu gabarito alterado, para considerar correta – por ser incorreta – a letra “D”.As questões acima descritas, ao que parece, corroboram o vaticinado por Mozart Borba, anteriormente citado, pois, para responder “corretamente” a estes questionamentos, seria necessário desaprender a matéria estudada.Pra piorar, alguns elementos que compõem o funcionalismo público brasileiro chegam a qualificar a justa indignação de candidatos prejudicados como “choro de perdedor” como o fez, vergonhosamente, o Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro, José Raimundo Batista Moreira, em relação às denúncias feitas por candidatos ao cargo de técnico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro à Ouvidoria do MPRJ, apontando “negligência na aplicação dos testes e uso de questões com erros ou dupla resposta, entre outras irregularidades”[2].Infelizmente, caro leitor, nosso ordenamento jurídico derrama sobre os funcionários públicos, especialmente aqueles ocupantes de cargos de maior relevância, o manto plúmbeo das garantias funcionais, as quais, se por um lado visam garantir a independência funcional de determinados indivíduos, de forma que desempenhem suas funções com vistas à realização do bem comum, também garantem, em muitos casos, a vigência do pedantismo, da empáfia, da displicência, da indiferença, e de demais adjetivos desabonadores correlatos que destoam da nobreza de servir ao público.Sorte a nossa que o machado referido por Lincoln em sua célebre frase é somente uma metáfora, pois se fosse um machado real, pelo andar da carruagem correríamos o risco de afiá-lo inutilmente, ante as florestas petrificadas que tem se tornado as provas de concurso.FONTE: Vitor Guglinski – www.conjur.com.br/secoes/artigos Certa vez, Abraham Lincoln disse: “Se eu tivesse oito horas pra derrubar uma árvore, passaria seis afiando meu machado.”No mundo dos concursos públicos, não seria exagero afirmar que a frase do ex-presidente norte-americano pode ser tomada como a fórmula do sucesso do concurseiro. Analogicamente, pode-se afirmar que as seis horas a que Lincoln se referiu para “afiar o machado” correspondem às árduas horas de estudos para que o candidato adquira os conhecimentos necessários a vencer as difíceis provas, treine exercícios, se concentre, enfim, se esmere ao máximo para atingir o objetivo traçado, sendo que as duas horas restantes referem-se aos exames efetivamente prestados, isto é, à “derrubada da árvore”.Em que pese o brilhantismo secular de Abraham Lincoln, é possível perceber que algumas organizadoras de concursos têm conseguido desenvolver um método de torná-lo opaco, uma vez que, recentemente, a mídia especializada tem ventilado uma série de falhas perpetradas pelas organizadoras de certames, que vão desde denúncias de fraudes em concursos até a aplicação de provas invencíveis.Afinal de contas, o que está acontecendo? Será verdadeiramente despreparo dos candidatos ou reais falhas e empáfia das bancas examinadoras?É fato que muitos candidatos a cargos e empregos públicos participam de concursos sem que tenham efetivamente se preparado para tanto; são os popularmente conhecidos como “paraquedistas”. Por outro lado, não se pode perder de vista que candidatos extremamente dedicados, inteligentes e preparados vêm sendo estranhamente tolhidos de concursos promovidos nos diversos níveis do funcionalismo público brasileiro.Creio que ambos os fatos se somam. Porém, há que se ponderar no sentido de que as bancas examinadoras vêm contribuindo muito mais para o agravamento desse quadro, segundo se depreende dos fatos recentemente ocorridos, e que passamos a elencar.A título de exemplo, no último concurso para o ingresso nos quadros do Ministério Público do Estado da Paraíba, os candidatos sequer conseguiram aprovação na primeira etapa, as provas objetivas. A esse respeito confira-se a notícia veiculada no site Consultor Jurídico.Recentemente, a OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com o CESPE/UNB para a realização do Exame de Ordem unificado, ante o elevado número de reclamações dos examinandos. Confira-se a notícia:“As seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não terão mais seus Exames de Ordem executados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Fundação Universidade de Brasília – CESPE – UNB. A OAB nacional rompeu o contrato que mantinha com a CESPE, motivada, principalmente, por várias reclamações dos examinandos com relação aos certames executados pela instituição.(…)O alvo das maiores reclamações por parte dos bacharéis e/ou estagiários que se submetiam aos testes aplicados pela CESPE era com relação à correção da prova, cujos critérios deixavam margem para muita discussão e recursos”. (notícia disponível na íntegra.O último concurso promovido para o ingresso nos quadros de técnico e analista do MPU, nos dias 11 e 12 de setembro de 2010, também chamou a atenção pela revolta generalizada de candidatos às diversas vagas oferecidas, pois o CespeUnB divulgou gabaritos conflitantes e irreais, o que levou o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e também professor de Direito Processual Civil, Mozart Borba, a classificar como “maluquices” algumas das respostas preliminares oferecidas pela banca, consignando que “se não houver alterações, o concurso terá exigido que o candidato desaprenda a matéria para ser aprovado”.Outro fato, noticiado no dia 19 de setembro, diz respeito à presença da Fundação Cesgranrio na “lista de propina” do “Caso Correios”, o que levou a Justiça Federal a proferir decisão concessiva de liminar para que o contrato entre os Correios e aquela organizadora fosse suspenso. A notícia também foi veiculada pelo Consultor Jurídico.Para aclarar ainda mais a idéia do leitor, trago à baila duas questões estarrecedoras, cobradas na prova para advogado do BNDES, realizada no dia 19 de setembro[1]. O gabarito das referidas questões é gritante, contrários à literais disposições de lei e, em que pesem os inúmeros recursos interpostos pelos candidatos prejudicados, as questões em comento não foram anuladas ou tiveram o gabarito alterado. Eis as questões:Questão nº 68No dia 9 de fevereiro de 2005, foi editada a Lei no 11.101,que veio a regular a recuperação judicial, extrajudicial e afalência do empresário e da sociedade empresária.Dentre as inovações trazidas pela nova Lei, podemosafirmar queI – desaparecem as concordatas preventiva e suspensiva,e a continuidade dos negócios do falido.II – foi criada a recuperação extrajudicial.III – as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados durante a recuperação judicial, em conformidade com a legislação em vigor, terão prioridade de recebimento sobre os créditos tributários e trabalhistas quando é declarada a falência.IV – uma vez apresentado o pedido, o devedor tem até 60 dias para apresentar um plano detalhado de recuperação dizendo de que forma vai se recuperar e pagar seus credores.Está correto o que se afirma em(A) III, apenas. (B) I e III, apenas.(C) II e IV, apenas. (D) I, II e IV, apenas.(E) I, II, III e IV.A Cesgranrio considerou correta a letra “E”, ou seja, todas as assertivas estariam corretas. Todavia, em uma prova objetiva, o item IV jamais poderia ser considerado correto, na medida em que a Lei 11.101/05 diz, no artigo 53, que “O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter…”.Ora, a Lei 11.101/05 é cristalina ao dizer que o referido prazo de 60 dias é contado da publicação da decisão judicial que deferir o processamento da recuperação judicial, mas não da simples apresentação do pedido de recuperação, pois pode ocorrer de o devedor requerer sua recuperação judicial sem que preencha os requisitos legais, caso em que o pedido, s.m.j. será indeferido pelo juiz.Ante o exposto, a questão deveria ter sido anulada, pois, excluindo-se o item IV da relação de itens corretos, não há, dentre as alternativas oferecidas, qualquer combinação contendo a seqüência de itens corretos.Vejamos agora a questão 69:Questão 69A respeito do cheque, é INCORRETO afirmar que(A) os cheques devem ser emitidos contra bancos ou instituições financeiras equiparadas, caso contrário não terá validade de cheque.(B) o endosso num cheque passado ao portador torna o endossante responsável, nos termos das disposições que regulam o direito de ação, mas, nem por isso, converte o título num cheque “à ordem”.(C) uma vez emitido, o texto do cheque não pode ser alterado, sob pena de nulidade.(D) o cheque é pagável à vista, considerando-se não-estrita qualquer menção em contrário.(E) se uma pessoa teve um cheque roubado, o novo portador legitimado está desobrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé.Referida questão considerou a letra “C” como incorreta. De fato, a assertiva não está correta, pois o artigo 58 da Lei 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, prevê que, caso haja alteração no texto do cheque, “os signatários posteriores à alteração respondem nos termos do texto alterado e os signatários anteriores, nos do texto original”.Porém, a mesma legislação dispõe no seu artigo 32 que “o cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário”, sendo que a banca examinadora inseriu na letra “D” a expressão não-estrita, a qual, consoante a doutrina de Direito Empresarial (podemos citar Benedito Santana, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Wanderlei Batista da Silva), não possui o mesmo sentido da expressão corretamente utilizada pela lei em comento.Sendo assim, a questão deveria ter, no mínimo, seu gabarito alterado, para considerar correta – por ser incorreta – a letra “D”.As questões acima descritas, ao que parece, corroboram o vaticinado por Mozart Borba, anteriormente citado, pois, para responder “corretamente” a estes questionamentos, seria necessário desaprender a matéria estudada.Pra piorar, alguns elementos que compõem o funcionalismo público brasileiro chegam a qualificar a justa indignação de candidatos prejudicados como “choro de perdedor” como o fez, vergonhosamente, o Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro, José Raimundo Batista Moreira, em relação às denúncias feitas por candidatos ao cargo de técnico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro à Ouvidoria do MPRJ, apontando “negligência na aplicação dos testes e uso de questões com erros ou dupla resposta, entre outras irregularidades”[2].Infelizmente, caro leitor, nosso ordenamento jurídico derrama sobre os funcionários públicos, especialmente aqueles ocupantes de cargos de maior relevância, o manto plúmbeo das garantias funcionais, as quais, se por um lado visam garantir a independência funcional de determinados indivíduos, de forma que desempenhem suas funções com vistas à realização do bem comum, também garantem, em muitos casos, a vigência do pedantismo, da empáfia, da displicência, da indiferença, e de demais adjetivos desabonadores correlatos que destoam da nobreza de servir ao público.Sorte a nossa que o machado referido por Lincoln em sua célebre frase é somente uma metáfora, pois se fosse um machado real, pelo andar da carruagem correríamos o risco de afiá-lo inutilmente, ante as florestas petrificadas que tem se tornado as provas de concurso.FONTE: Vitor Guglinski – www.conjur.com.br/secoes/artigos

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