Decreto de posse de armas: O que muda?

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Uma das promessas de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro era facilitar o acesso à posse de armas pela população em geral e, para tanto, seria necessário que se alterasse as regras previstas na Lei N° 10.826/03 – conhecida como Estatuto do Desarmamento. Assim, optou por iniciar alterando as diretrizes para a concessão da obtenção da autorização para a posse de armas de fogo.

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Assim, já em 15 de janeiro de 2019, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto N° 9685/19, que alterou alguns dispositivos do Decreto N° 5123/04.

Inicialmente, antes de se tratar sobre a possibilidade de se alterar os requisitos para a concessão da posse de armas por meio de um Decreto Presidencial, é preciso que se pontue que existem diferenças entre os institutos da posse de armas de fogo e do porte de armas de fogo. Em verdade, o artigo 4° e 6º do Estatuto do Desarmamento faz essa distinção, bem como existem crimes distintos para a prática do crime de posse irregular de arma de fogo e do porte irregular de arma de fogo (especificamente, tais crimes estão previstos nos artigos 12 e 14 do mesmo Estatuto).

Diferença entre porte e posse de armas:

Assim, temos que a posse de arma de fogo consiste na autorização do indivíduo de comprar a arma e tê-la em sua residência, domicílio ou, ainda, em seu local de trabalho (desde que a pessoa que tenha a autorização para a posse seja proprietário ou responsável legal pelo estabelecimento ou empresa). Por sua vez, o porte de arma de fogo consiste na autorização da pessoa trazer consigo a sua arma de fogo.

Fixadas tais premissas, adentrar-se-á, ainda que em breves linhas, no tema da possibilidade da alteração dos requisitos para a concessão da autorização para a posse de arma de fogo via Decreto Presidencial, como já afirmado anteriormente.

O Decreto Presidencial (seja o original, seja o modificado recentemente), apenas regulamentou o que já previsto em lei: a possibilidade de qualquer interessado adquirir armas de fogo. Em outras palavras, a lei já autorizava a compra de armas de fogo por civis, sendo certo que o Decreto apenas regulamenta as formas e requisitos para essa aquisição.

Logo, em uma análise superficial, não se sustentam os argumentos de inconstitucionalidade formal do decreto, uma vez que não houve qualquer alteração legislativa por meio do Decreto Presidencial.

Tal instrumento, no entanto, não poderia ser utilizado para alteração do regime do porte de armas. Isso porque o artigo 6° do Estatuto do Desarmamento dita que “é proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional…”. Em outras palavras, se existe lei – em seu sentido estrito – esta não pode ser alterada por meio de um Decreto Presidencial.

Assim, ainda que não se tenha esgotada toda a discussão sobre a Constitucionalidade formal do Decreto, é preciso que se analise, então, o que de fato muda após o decreto que alterou os requisitos para a concessão de autorização para a posse de armas de fogo, em especial para a população civil em geral.

Em verdade, ao se analisar o Decreto, observa-se que houve uma grande ampliação do grupo de pessoas que podem obter a autorização para a posse de armas de fogo em 2019.Antes da publicação do Decreto N° 9685/19, em linhas gerais, era preciso que o interessado na aquisição da arma de fogo, dentre outros requisitos, declarasse “a efetiva necessidade” do porte de arma de fogo, sendo que a averiguação destes requisitos era (e continua sendo) de competência da Polícia Federal.

Com isso, cabia à Polícia Federal analisar se o interessado na aquisição da arma de fogo tinha efetiva necessidade, sendo certo que o reconhecimento desta se tratava de ato discricionário do órgão policial.

Em verdade, tratava-se de um grande óbice. Isso porque os demais requisitos eram de ordem objetiva (ter, no mínimo, 25 anos; apresentar documento de identificação civil; inexistência de inquérito ou processo penal; prova de ocupação lícita e residência certa; comprovação da capacidade técnica do manuseio da arma, e; laudo de aptidão para disparo de arma), razão pela qual não havia qualquer margem de discricionariedade na análise. Contudo, a Polícia Federal barrava os pedidos justamente no requisito subjetivo (a efetiva necessidade).

E é justamente neste ponto que o Decreto trouxe a alteração mais profunda. Inicialmente, houve o acréscimo do parágrafo 1° no artigo 12, a saber:

§  1º  Presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade a que se refere o inciso I do caput, a qual será examinada pela Polícia Federal nos termos deste artigo.

Em outras palavras, foi retirada da Polícia Federal a margem de discricionariedade na análise do pedido de aquisição de arma de fogo, já que o decreto torna a declaração do interessado presumidamente verdadeira.

Ademais, o Decreto foi além e acrescentou, no mesmo artigo 12, o parágrafo 7º, o qual contém seis incisos. Dentre eles, o que acarreta em uma grande alteração no regime das questões que envolvem a posse de armas de fogo em 2019 é o que disposto no inciso IV, que se destaca:

§  7º  Para a aquisição de armas de fogo de uso permitido, considera-se presente a efetiva necessidade nas seguintes hipóteses:

IV – residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública;

 

Isso porque, conforme a mencionada pesquisa do IPEA, todas as unidades federativas do Brasil possuem índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes. Ou seja, presume-se a necessidade (uma vez mais), em todos os estados brasileiros.

Sobre o que prevê tal dispositivo, uma questão deve ser colocada, mormente para se explicar a razão de sua atual redação.

O projeto original previa que a autorização seria concedida aos residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em municípios (e não entes federativos) com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016. Contudo, isso significaria que apenas 23 dos 309 municípios com mais de cem mil habitantes possuem taxa maior que a reclamada.

Assim, o Presidente, no intuito de ampliar o acesso, alterou a redação para que, na prática, todos os residentes em todos os entes federativos se inserirem nesse contexto.

Até o momento, tratou-se das alterações mais profundas no que tange ao posse de armas em 2019. Contudo, existem algumas outras duas mudanças que merecem destaque, mas que podem ser apenas pontuadas, já que tratam de questões meramente objetivas:

– Houve ampliação do prazo do registro das armas, passando de 05 para 10 anos;

– Quando houver crianças ou deficientes mentais na residência, a arma de fogo deve ser mantida em um cofre.

Assim, como bem se observa, foram profundas as alterações trazidas pelo Decreto, que certamente serão objeto de discussão, seja por parte da sociedade civil, no âmbito político e, obviamente, no âmbito jurídico. Certo é que, por se tratar de um mote de campanha eleitoral, outras alterações devem ser propostas pelo atual governo.  

Dr. Ivan de Camargo Carotti
OAB/SP 315.798
Especialista em Direito Penal e Processo Penal.

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