Direito Imobiliário: Atraso na entrega das obras

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direito imobiliario

  Por Luiz Antonio Scavone Junior

direito imobiliario atraso na entrega das obras

Luiz Antonio Scavone Junior

Advogado Militante e Administrador de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito Civil – pela PUC/SP. Professor dos Cursos de Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Professor Titular do Curso e Mestrado em Direito da Escola Paulista de Direito EPD. Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Imobiliário da Escola Paulista de Direito EPD. Autor de diversos livros, entre eles: Direito Imobiliário, Juros no Direito Brasileiro e Manual de Arbitragem e Direito Imobiliário – Teoria e Prática.

atraso na entrega das obras vem se tornando um dos assuntos mais tormentosos da construção civil, ao lado da cobrança de juros e correções ilegais.

Duas são as soluções jurídicas para enfrentar a questão.

A primeira delas é a resolução do contrato. De fato, assim como ao promitente vendedor é possível a resolução do contrato por inadimplemento do promitente comprador, este último pode aforar ação de resolução contratual no caso de atraso nas obras, que constitui inegável descumprimento do contrato pela construtora que prometeu o imóvel e a data de entrega.

Nada obstante a possibilidade de requerer a resolução do contrato, o adquirente pode, nos termos do art. 475 do Código Civil, exigir a entrega (cumprimento da obrigação da construtora) requerendo, também, as perdas e danos, inegavelmente representadas pelos aluguéis que o imóvel poderia render durante o período do atraso.

No contrato bilateral, a prestação de uma das partes tem como causa, como motivo de sua existência, a obrigação do outro contratante. Se o adquirente cumpre a sua obrigação (pagamento do preço), é porque vislumbra, além das demais obrigações da construtora, a efetiva entrega do imóvel na data convencionada.

É preciso observar que as obrigações de entrega das obras qualificam-se como prestações positivas (dar e fazer) e líquidas (certas quanto a sua existência e determinadas quanto ao seu objeto).

O seu inadimplemento constitui de pleno direito em mora o devedor (independentemente de notificação ou qualquer outra providência do credor), acorde com o art. 397 do Código Civil.

É a consagração do princípio segundo o qual dies interpellat pro homine (o dia do vencimento interpela pelo homem).

Assim, além da resolução do contrato por inadimplemento, expressamente possibilitada pelo art. 35, III, do Código de Defesa do Consumidor, e art. 475 do Código Civil, o inadimplente responderá pelos prejuízos a que der causa, ou seja, as perdas e danos materiais (danos emergentes, inclusive morais) e lucros cessantes.

O Superior Tribunal de Justiça entende que os lucros cessantes podem ser presumidos ante a não entrega de imóvel na data convencionada. Com isso, admite a indenização por lucros cessantes correspondente aos alugueres que o adquirente poderia ter recebido em razão da não entrega do imóvel na data estipulada (confira-se, nesse sentido: STJ, REsp. 644.984/RJ e AgRg no REsp 826.745/RJ).

Outrossim, mister se faz atentar para aplicação do Código de Defesa do Consumidor, vez que, de acordo com o critério objetivo e legal, em regra estão presentes consumidor e fornecedor, definidos nos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990. No art. 6º da Lei 8.078/1990 encontra-se o seguinte dispositivo: “São Direitos básicos do consumidor: VI – A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”

Nada obstante, os contratos adrede preparados ao talante das construtoras preveem um prazo de carência (tolerância) normalmente de seis meses, além do prazo contratado para entrega da obra.

À luz do princípio geral da boa-fé e, principalmente, do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, entendo que a cláusula de carência ou tolerância coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Em consonância com o acatado, trata-se de cláusula nula.

Não se fale, aqui, da imprevisibilidade em razão de ocorrências que podem comprometer o andamento das obras, como, por exemplo, chuvas, greves, escassez de insumos, que fazem parte do risco do negócio das construtoras e por elas devem ser levados em consideração no prazo que estipulam para a entrega das obras.

O adquirente também está sujeito à perda de emprego, doença, morte de parente, roubo etc. e não terá, mesmo em razão desses fatos, qualquer carência no cumprimento das suas obrigações, notadamente a obrigação de pagar o que deve, cujo inadimplemento enfrenta implacáveis consequências impostas pela construtora credora, como, por exemplo, multas, juros, correções, ações de resolução, alienação extrajudicial do imóvel etc.

Portanto, em razão do princípio da igualdade e do art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor: a) não deve ser admitida a validade de qualquer carência imposta nos contratos; b) o adquirente faz jus à indenização por danos materiais consubstanciados no mínimo pelo aluguel que poderia render o imóvel, além de eventuais danos morais, a partir do atraso, podendo, ainda, suspender o pagamento das parcelas eventualmente devidas em razão da exceção do contrato não cumprido.

 Mesmo assim, o Ministério Público do Estado de São Paulo firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o sindicato das construtoras, com as seguintes obrigações:

a) O contrato e a publicidade deveriam informar, claramente, o prazo de tolerância de atraso, que não pode suplantar 180 dias. Ora, não seria mais razoável exigir que o prazo de entrega fosse estipulado de forma real e de fato cumprido?

b) As construtoras deveriam enviar informativos aos consumidores a cada 180 dias sobre o andamento das obras e informar que haverá atraso com 120 dias de antecedência do prazo estimado no contrato para o final das obras;

c) Admitir-se-ia a comprovação de motivo de força maior para permitir que o próprio prazo de tolerância fosse suplantado pela construtora. Neste ponto, esqueceu que a responsabilidade exsurgente do Código de Defesa do Consumidor é objetiva e cujas causas taxativas de exclusão de responsabilidade não preveem o fortuito, notadamente o externo, como excludente de responsabilidade nas relações de consumo;

d) Multa de 2% do valor principal pago – excluídos multas e juros – e, sobre a mesma base de cálculo, acréscimo de 0,5% ao mês de atraso além do período de carência.

Insta observar que o indigitado TAC, firmado com o sindicato e a sua obrigação, consistia apenas na orientação que deveria ser dada às construtoras para que incluíssem tais cláusulas nos contratos.

Posta desta maneira a questão, é evidente que não haveria qualquer vinculação, tanto das construtoras – que poderiam não adotar estas cláusulas, como fazem hoje – ou dos consumidores, que continuariam com o mesmo direito, de pleitear a nulidade da cláusula de carência bem como a efetiva indenização consubstanciada, no mínimo, pelos aluguéis durante o período integral do atraso, além de eventuais danos morais, sem contar a possibilidade, se preferirem, nos termos do art. 475 do Código Civil, de pleitear a resolução do contrato pelo inadimplemento da obrigação principal da construtora, além das perdas e danos (aluguéis pelo período do atraso até a propositura da ação de resolução bem como a restituição integral do que foi pago com juros desde a citação e correção a partir de cada desembolso).

Por tal razão, o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo decidiu, por unanimidade, em sessão do dia 19 de junho de 2012, não homologar o Termo de Compromisso de Ajustamento (TAC) firmado entre a Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital e o Sindicato das empresas de compra, venda, locação e administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (SECOVI), posto que entendeu que a chamada “cláusula de tolerância”, que concede às empresas, no contrato, o direito de atrasar a entrega da obra, além do prazo final prometido ao consumidor, sem quaisquer ônus, é abusiva e ilegal, por desrespeitar o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que não se concede ao consumidor o mesmo direito: de poder atrasar o pagamento de suas prestações, sem quaisquer custos adicionais.

Em que pesem todas essas judiciosas razões, lamentavelmente, ao menos no Estado de São Paulo, em reiterados julgados o Tribunal de Justiça admite a legalidade da indigitada cláusula de carência ou tolerância, o que faz nos seguintes termos:

Tribunal de Justiça de São Paulo. (…) Compromisso de compra e venda. Imóvel. Atraso na entrega das obras. Inocorrência. Cláusula de tolerância de 180 dias, válida e que não traduz abusividade. Habite-se expedido, outrossim, que gera presunção de que as obras se encontram em condições de serem habitadas (Apelação nº 0194978-85.2011.8.26.0100, rel. Vito Guglielmi, 6ª Câmara de Direito Privado, j. em 03.10.2013, Registro: 04.10.2013).

Entende o Tribunal de Justiça de São Paulo que há prévia ciência dos adquirentes quanto à referida previsão contratual e que, por tal razão, não podem eles reclamar (Apelação nº 0000007-57.2012.8.26.0006, 3ª Câmara de Direito Privado, j. em 24.09.2013).

Mais recentemente, o Projeto Substitutivo ao PL 178/2011[1] havia sido aprovado na Câmara, em caráter terminativo na própria Comissão.

Como visto, a jurisprudência que se firmou quanto a esse assunto entendeu que, independentemente do valor pago, o adquirente que não recebe o imóvel na data aprazada, ressalvada a indigitada carência de praxe,conta com o direito à indenização referente ao aluguel que o imóvel poderia render.

Caso o referido projeto seja mesmo aprovado, posto que ainda passará pelo Senado Federal, em tese melhorará a situação jurídica das construtoras.

Isto porque ratifica a cláusula de praxe, de carência de seis meses – que no meu entendimento fere o princípio da igualdade – e o valor da multa, de 0,5%, limitar-se-á à base de cálculo do valor pago e não o efetivo custo do aluguel do imóvel que não foi entregue.

Como se trata de multa penal, pode, em tese, ser considerada como sucedâneo das perdas e danos, de tal sorte que, a princípio, a intenção é obstar o pedido do aluguel efetivo pelo período de atraso, cujo deferimento a jurisprudência já consolidou no regime atual.

Me antecipo à eventual aprovação do teratológico projeto e lanço a minha posição, que não decorre da interpretação literal do parágrafo anterior.

Assim, havendo relação de consumo, interpretação sistemática demandará a aplicação do art. 6º da Lei 8.078/1990 (CDC) segundo o qual: “São Direitos básicos do consumidor: VI – A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”

Com efeito, entendo, pelo princípio da restituição integral, que também encontra suporte nos arts. 389, 395, 404 e 923 do Código Civil, que a multa estipulada no projeto é, exclusivamente, de caráter punitório, de tal sorte que não restará inibida a pretensão de o adquirente buscar, judicialmente, os danos referentes ao prejuízo decorrente dos lucros cessantes, ou seja, o aluguel efetivo do imóvel durante o período do atraso, independentemente de quanto tenha sido pago, desde que haja a obrigação de entrega descumprida.

É preciso levar em consideração para tal conclusão que o princípio da restituição integral não permite que o patrimônio de quem quer que seja possa ser vergastado, zurzido e, no caso de atraso, haverá privação de uso independente de quanto o adquirente pagou e desde que haja obrigação de entrega antes da quitação.

Acrescente-se ao aluguel, nitidamente qualificado como dano material, os danos morais em casos mais graves.

 Outrossim, qualquer circunstância que impeça a outorga da escritura ao final dos pagamentos é apta a ensejar a ação de resolução por inadimplemento, como veremos no modelo que será proposto.

É preciso observar que as obrigações de entrega das obras e de outorga da escritura ao final dos pagamentos qualificam-se como prestações positivas (dar e fazer) e líquidas (certas quanto a sua existência e determinadas quanto ao seu objeto.

O seu inadimplemento constitui de pleno direito em mora o devedor(independentemente de notificação ou qualquer outra providência do credor), acorde com o art. 397 do novo Código Civil.

Clique aqui para verificar os julgados sobre o tema.

Portanto, de maneira uniforme, a jurisprudência admite que seja o imóvel adquirido para locação ou não, seja a opção do adquirente pela resolução ou pelo cumprimento a destempo, que os alugueres durante o período de atraso correspondem aos prejuízos indenizáveis a título de danos materiais.

Quanto aos danos morais, notadamente ante a existência de relação de consumo, o entendimento jurisprudencial majoritário não o defere.

Nesse sentido, asseverou o Desembargador Fortes Barbosaquanto aos danos morais, este Tribunal de Justiça tem entendimento predominante no sentido de que, salvo circunstância excepcional que coloque o contratante em situação de extraordinária angústia ou humilhação, no caso inexistente, não há dever de indenizar. É que o dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual se insere no cotidiano do homem médio e não implica lesão à honra ou violação da dignidade (Apelação nº 0103875-60.2012.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Fortes Barbosa, j. em 01.08.2013).

Em igual sentido:

Tribunal de Justiça de São Paulo. “Dano moral indevido quando se trata de inadimplemento contratual sem excepcionalidade que ocasione vexame e humilhação. Recurso parcialmente provido para afastar o dano moral.” (Apelação nº 450.589.4/9 – São Paulo/F.R. Jabaquara Rel. Des. Maia da Cunha, em 26.10.06, Unânime). “Não é, porém, a simples frustração decorrente do inadimplemento que se indeniza, mas sim a ofensa a direitos da personalidade, ou sofrimento intenso e profundo, a ser demonstrado caso a caso” (Apelação Cível nº 468.896.4/6, São Paulo, rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 29.01.2009 – Unânime).

O Superior Tribunal Justiça não discrepa desse entendimento e afirma que o inadimplemento contratual implica a obrigação de indenizar os danos patrimoniais; não danos morais, cujo reconhecimento implica mais do que os dissabores de um negócio frustrado. Recurso especial não conhecido (REsp nº 201.414/PA, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 05.02.2001).

Costumam aplicar, assim, a vetusta ideia de Antonio Chaves, segundo o qual o dano moral não espelha o “reconhecimento que todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros”.[2]


Discordamos. Atraso na entrega das obras, a par de ser descumprimento de obrigação contratual, pela expectativa que gera na maioria dos casos, mormente se se tratar de imóvel residencial, não pode ser considerado “mero dissabor”.


Não é simples “expectativa frustrada”. Há casos de famílias que vendem seus antigos imóveis para pagar as parcelas do preço do novo e, diante da mora na entrega das chaves, devem procurar solução para a moradia da família, direito social insculpido no art. 6º da Constituição Federal. Outros exemplos podem ser dados, como no caso dos noivos que adquirem imóvel, marcam casamento e esperam o cumprimento da obrigação da construtora.

Enfim, os fatos são ricos em detalhes e díspares nas consequências que trazem na esfera de consideração pessoal e social dos adquirentes, de tal sorte que não é possível categorizar por meio da simples afirmação de inexistência de dano moral.

Ousamos afirmar que, em razão da importância da propriedade imobiliária para a família brasileira, o que fez surgir até a famosa expressão “sonho da casa própria”, o atraso na entrega não se tratará de mero “dissabor” decorrente de “negócio frustrado”.


[1] Comissão de Desenvolvimento Urbano.

Substitutivo ao Projeto de Lei nº 178, de 2011 (E a seus apensos, PL nº 1.390/2011 e PL nº 2.606/2011)

Altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, para tratar do prazo de entrega de imóveis adquiridos em fase de incorporação e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei acrescenta dispositivos à Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, para tratar do prazo de entrega de imóveis adquiridos em fase de incorporação, estabelecendo penalidade de multa para os casos de descumprimento das referidas disposições.

Art. 2º A Lei nº 4.591, de 1964, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 48-A: Art. 48-A Admite-se um prazo de tolerância máximo de até 180 (cento e oitenta) dias para a entrega de imóvel adquirido em fase de incorporação, contados da data contratualmente fixada para entrega das chaves.

§1º o incorporador deverá informar ao adquirente, quando da assinatura dos contratos de compra e venda, com clareza e transparência, que durante o prazo do caput, por sua própria natureza, não incidirá qualquer penalidade moratória ou compensatória.

§2º Se o incorporador não cumprir o limite imposto no caput, fica obrigado a pagar ao adquirente adimplente uma multa penal compensatória no valor correspondente a 1% (um por cento) do valor até então pago pelo adquirente, e uma multa penal moratória no valor correspondente a 0,5% (meio por cento) ao mês (ou fração, calculado pro rata dies).

§3º Os valores das multas de que trata o §2º devem ser atualizados monetariamente pelo mesmo índice previsto no contrato, e poderão ser deduzidos das parcelas vincendas após o prazo previsto no caput deste artigo.

§4º As empresas incorporadoras ficam obrigadas a avisar o adquirente, com 6 (seis) meses de antecedência da data pactuada em contrato para a entrega do imóvel, a respeito de possíveis atrasos na entrega do mesmo.

§5º Os adquirentes de imóveis em fase de incorporação deverão receber do incorporador informações mensais sobre o andamento das obras.

Art. 3º As disposições introduzidas por esta Lei à Lei 4.591, de 1964, somente se aplicarão aos contratos celebrados após 90 (noventa) dias de sua publicação.

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1038097&filename=SBT+3+CDU+%3D%3E+PL+178%2F2011

[2]      Antonio Chaves, Tratado de direito civil, São Paulo: RT, 1985, v. III, p. 637.

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